27 setembro 2016

Cosme, Damião e Mariazinha


Repostando! Sete anos depois e a saudade é ainda maior. (original em 27/09/09)


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"Lá no céu tem três estrelas
Todas três em carreirinha
Uma é Cosme, Damião
A outra é Mariazinha"


O ponto das crianças era sempre cantado com mais força. Lá no terreirinho, era o que mais passava energia positiva e a festa delas era sempre a mais esperada. Sinto cada vez mais saudade daquela nossa macumba, principalmente no dia de São Cosme e Damião.

Foram milhares de histórias fantásticas nessas ocasiões. Além da comilança, havia muita farra. Até mesmo os pretos-velhos, caboclos e até ciganos, quando passavam para saudá-las, quebravam protocolos contagiados pela alegria. A molecada dava de ombro e apenas aguardavam impacientemente sua hora, brincando com as bexigas penduradas em enorme quantidade no teto do terreiro. Como giravam aquelas bexigas!

Depois da espera, eis que surgiam a Martinha, o Pedrinho, a Terezinha e, claro, Mariazinha. Mariazinha era a dona do pedaço. Jogava comida e "talaná" em todo mundo, agarrava os "tio comprido" que a pajeavam e incitava os amiguinhos a pegarem mais doces do que o havia permitido. Certa feita, ao comer um pé-de-moleque, perdeu um dente. Chorou, inconsolável, por longos 20 segundos, até encontrar uma bala que cabia certinho no buraco do canino esquerdo.

Causos como esse eram regra e registro mais dois inusitados que marcaram. O primeiro aconteceu no ano em que o Senna morreu. Nessas festas, os vizinhos ajudavam com as oferendas e, por conta disso, vinham menos ressabiados para participar. Inevitável haver incautos sem a exata noção da simbologia e significância da cerimônia, e um deles perguntou sobre o falecido. A réplica veio na lata:

- Ele tá triste e não sabe que morreu. Aliás, esse papo também é triste, e eu não quero falar disso porque hoje é minha festa! - Nada como a sinceridade infantil...

O segundo caso, porém, foi o mais surpreendente. Minha avó era presença certa quando rolavam essas bagunças. Estava ela lá no fundo do salão, quietinha como sempre, quando desce um menino de uns 9 anos no Beto - um negrão de 2 metros de altura. Meio de canto, ele chama minha vó e os dois começam a conversar. Em japonês.


Essas histórias e a paz em nossa alma depois daquelas festas me fazem cada vez mais saudoso. Era um tempo de alegria e união. Com os anos, as vidas foram se separando e hoje nada mais resta do terreiro a não ser as boas lembranças. Essas, juro, têm um espaço cativo no meu peito.

Salve as crianças!