01 setembro 2015

Era uma vez o Juarez


Na esquina de casa tinha uma favela. Lugar de gente pobre, mas trabalhadora, honesta e sobretudo fraterna. Se faltava aqui, alguém compensava ali. E nós, do ladinho, aprendíamos e muito com aquele pessoal. No meio daquela molecada toda - a maioria deve estar morta, sabe como é a sina de preto e pobre neste país -, tinha o Juarez. O Juarez era uma figura, brasileiríssimo. Negro, canelinha fina, magricela e boa-praça, tirava sua graninha revendendo sorvete no bairro. Estava sempre com um sorriso largo na boca cheia de dente, o Juarez.

A bicicleta do Juarez era meio esquisita. Foi o que deu para comprar com a venda dos picolés de água, açúcar e corante. Tenham noção que o freio do troço era no pedal, acionado no movimento contrário da pedalada. Só ele conseguia andar sem cair daquela porra. E o Juarez jogando bola? Grosso, porém com uma jogada mortal: duas embaixadinhas e um voleio para onde apontava a bunda. Chegou a marcar alguns golaços com essa técnica tão peculiar. Mesmo tortas, as coisas funcionavam muito bem para o Juarez. E o Juarez vivia aqui no meio da gente, entrava na nossa casa, comia da nossa comida e estava sempre sonhando com uma vida melhor - estudava demais, o Juarez. Ele pouco falava da família, mas sua mãe, se não me engano, morava com um padrasto dele e também ralava o dia inteiro para botar comida na mesa. Rotina dura, mas íntegra. 

Como não podia deixar de ser, Juarez era corinthiano. Gostava muito do Viola e do Tupãnzinho, assim como a grande maioria da nossa geração. Era o Corinthians ganhar do bambi, que naquela época ainda não era bambi, e ele corria para a porta do português filho da puta aqui da rua para tirar uma com a cara do luso, a quem ele apelidou carinhosamente de Pingüim. Essa alcunha, aliás, é um caso à parte. Não passava um dia sem que o Juarez descesse nossa rua (e demorava uma meia hora nessa caminhada de uns 100 metros) chamando pelo "Pingüim de água doce" no mesmo tom de voz com que ele anunciava seus sorvetes. O portuga se mordia...

Porém, o antagonista do Juarez não era o Pingüim, mas sim o meu vizinho de muro. Um babaca. Pense num sujeito babaca, daqueles que só querem levar vantagem, posar de superior e que hoje virou até moda em passeata. Era ele. Criado por um pai tão babaca quanto, a diversão da família era fazer maldades com o pessoal todo da favela. Logicamente, o Juarez não escapava. Foi ele o responsável pela única vez que eu vi o Juarez chorar, provavelmente de raiva, numa dessas gracinhas que só esse imbecil achava graça. Eu mesmo vivia saindo na mão com o otário e só não apanhava porque era muito menor e talvez ele tivesse vergonha de bater em criança. Diziam, pai e filho, que também eram corinthianos. Eu digo que na final de 1993 eles compraram uma montanha de rojão e ficaram mostrando para a vizinhança toda, cantando vitória antes da hora. Deu no que deu.

Tudo isso porque no dia de hoje, não sei o raio do motivo, me lembrei que o pai desse infeliz morreu com um tumor no cérebro. E, ao mesmo tempo, me deu uma saudade danada do Juarez.

Viva o 1º de setembro!

CORINTHIANS!