30 agosto 2013

Autofagia


O conceito de autofagia é diverso. Na Biologia, esse processo é descrito como benéfico às células, pois é um mecanismo de renovação e limpeza. Basicamente, um componente sem serventia é transformado e aproveitado para a própria sobrevivência celular. Na lingüística, porém, é possível atribuir um significado negativo à palavra. Uma obsessão, uma paixão não correspondida ou um fator externo pode gerar um comportamento de auto-sabotagem no sujeito, fazendo com que ele se consuma até a completa degradação. 

Venho remoendo esse segundo aspecto com freqüência neste ano derradeiro do Corinthians como locatário do Pacaembu. Sinto muita falta daquela atmosfera de 20 anos atrás, quando iniciei minha vida nas arquibancadas do Municipal e de alguns outros poucos estádios pelo país. Também não vejo mais o Corinthians como o Corinthians Centenário que toda nossa história sempre nos mostrou.

O marco inicial desse processo de automutilação é, sem dúvida, a administração de Andrés Sanchez e continuada por Mario Gobbi. Ela vem sendo baseada na distorção do conceito pregado nas arquibancadas de apoio incondicional ao time que, no entanto, sempre valeu somente enquanto a bola rolava. Simultaneamente ao revisionismo comportamental, a diretoria promoveu despudoradamente a elitização da torcida, trazendo cidadãos mais brandos e cordatos à cancha. É notório: há muita gente que não dá o valor devido a seu ingresso. São os clientes, os consumidores cheios de descompromisso - para não dizer desconhecimento - com a causa de 1º de setembro de 1910 que, em 1913, revolucionou o futebol devolvendo-o ao povo.

Daí, vamos ao que se passa dentro de campo. Em agosto de 2011, oficializei meu posicionamento com relação a esse senhor que hoje é aclamado por crítica e público como "gênio", "inovador", "gestor de pessoas" e o que mais valha. Não é possível admitir elogios a um sujeito que troca lateral por lateral quando precisa vencer uma partida. Não é suportável um esquema tático com 4 laterais e 3 volantes. O fígado não dá conta de ver 11 jogadores defendendo escanteio e, ainda assim, levar gols de equipes muitas vezes inferiores.

Há quem diga que o referido treinador é grande vencedor de títulos, e a essas pessoas faço duas observações. A primeira, gravíssima: para cada taça levantada, há um vexame histórico proporcional. Não irei relembrar aqui para evitar a zica, mas nos últimos três anos o Corinthians se viu diante de marcas negativas inapropriadas a sua trajetória. A segunda? Vencer faz parte da essência do Corinthians, independentemente de quem está lá. E quem está lá, aliás, tem a OBRIGAÇÃO de tornar essa premissa verdadeira.
  
Fato é aquilo que a gente sempre fala por aqui porque aprendeu com os mais velhos: o Corinthians em campo é o reflexo de sua torcida na arquibancada. Cabe a todos uma avaliação das nossas reais responsabilidades nesse Corinthians atual e tão sem identidade. Destaco que não devemos esperar qualquer tipo de mobilização transgressora e de fundo político ou social partindo de torcidas organizadas. Se este espaço não se furta em defender tais entidades de ataques infundados e sabe da importância que todas elas têm na festa dos estádios, também não sou ingênuo e noto quão distante estão os meus objetivos dos delas (aos desavisados, tirem o cavalo da chuva: não busquem neste blogue guarida para discursos flaviopradistas ou motoblogueiros contra as organizadas).

Qual seria, então, ó iluminado e prepotente escrevente, a fórmula mágica para que retomemos o rumo? Não sei. O importante é saber das premissas do corinthianismo, sempre includente e participativo. Saber que há 200 traidores no Conselho Deliberativo que, como promessa não cumprida de campanha, disseram que iam acabar com a aberração anti-democrática do chapão. É brigar por uma maior acessibilidade do corinthiano à vida no clube social, com mensalidades e títulos mais baratos, e lutar por ingressos a preços populares. É fazer do estádio em Itaquera nosso pré-sal, revertendo os ganhos em benefício ao povo corinthiano. E, principalmente, ter senso crítico. Cobrar. Exigir compromisso e sangue pelo Corinthians.

Às vésperas de nosso 103º aniversário, é forte a tendência ao pessimismo. A estratégia e a ideologia implementadas nas salas ar-condicionadas do Parque São Jorge nos direcionam na contramão daquilo que os ancestrais corinthianos elaboraram e consolidaram. O Corinthians não pode ser covarde, não pode entrar em campo para empatar e para se defender. O Corinthians é um gigante, tão grande que não cabe em si e, por isso, já foi definido como um estado de espírito. E essa compreensão só vem com o senso crítico apurado, sem firulas de marketing e sem as mentiras da imprensa. 

Volte-se ao Corinthians, irmão corinthiano. Discuta, escute, fale, mobilize-se. No buteco, na praça, na garagem de casa, no samba, no quintal. Transformemos essa angústia em algo que nos alimenta e nos fortalece. 

VAI CORINTHIANS!