09 dezembro 2013

Não esqueçam 2013


Este post tem como objetivo encerrar o posicionamento oficializado em agosto de 2011, quando prometi não mais tratar neste blogue sobre qualquer opção tática do então técnico do Corinthians para não ficar me repetindo. A era do "gênio" acabou e, mesmo que as notícias não nos dêem motivos para comemorar, já é um alívio não ter mais que ver ali no banco alguém que foi elevado a postos que pouco condizem com o homenageado.

Aliás, quantas homenagens, não? Exageradas, até. De minha parte, para cada grande vitória do Corinthians no período tite, há um vexame histórico. Derrotas para times inexpressivos, resultados desfavoráveis em pleno Pacaembu e, principalmente, a consolidação de um modo de jogar que desrespeita a trajetória de lutas e entrega característica do Coringão. Foi isso, aliás, o que mais me incomodou nesses 3 últimos anos e que também culminou na vagabundagem explícita dos jogadores.

Ora, meus caros, não dá para dissociar a displicência de todo o milionário elenco corinthiano e seu comandante. Para mim, o chefe de uma equipe vagabunda é no mínimo conivente com isso e, portanto, vagabundo também é. Se o responsável pela escalação e treinamento do time escala mal e não coloca jogador para treinar e eliminar deficiências apresentadas, ele tem a maior parcela de culpa na crise ideológica que se vê em campo.

Mas isso são percepções. Aos fatos. Destaco abaixo o desempenho do Corinthians no modorrento Brasileiro de pontos corridos deste ano. Isolei os confrontos para ver como seria nosso desempenho se eles fossem no sistema de mata-mata. O cenário é desolador, já que contaríamos com eliminações para botafogo, goiás, ponte preta (rebaixada), cruzeiro, portuguesa, atlético/mg, inter e náutico (rebaixado e dono da pior campanha da história recente). São  adversários que, na maioria das vezes, foram derrotados por nós em decisões.































De forma que nossa participação no Brasileiro deste ano não poderia ter se encerrado de maneira mais propícia para ilustrar o que foram esses anos de tite. Aliás, a derrota para o náutico, justamente um dos piores ataques do torneio ao lado do próprio Corinthians, impossibilitou outra marca recorde negativa: 18 empates na competição.

O amigo Domingos Sala Vargas, corinthiano de quatro costados e dono de um blogue riquíssimo em imagens do Timão, vem dizendo em suas participações sempre imprescindíveis na Rádio Coringão que não devemos esquecer 2013. Faço coro com ele, porque é inédita a falta de respeito. Há diversos indicativos práticos e subjetivos, e aqui citei apenas alguns deles, que desenham um paradoxo assustador. Se hoje conquistamos títulos importantes, eles vieram à custa de perda de identidade e total alienação da torcida.

É preciso ter 2013 muito claro em nossa memória para não repetirmos erros graves e até criminosos. Tivemos o centenário da Revolução de 1913, ignorada institucionalmente pelo clube. Trata-se, talvez, da nossa maior vitória, mas aquela parte da história em que o povo se sobrepõe e garante o bem coletivo não anda sendo muito bem vista ou valorizada. Que cada corinthiano reflita sobre o seu comportamento e tenha este ano como algo a se evitar na conduta daqui para frente.

29 novembro 2013

Pacaembu, pedaço de mim


Chegamos ao fim de uma era. Amanhã, no dia 30 de novembro de 2013, o Estádio Municipal do Pacaembu deixará de ser a casa oficial do Corinthians. É representativo o adeus, já que ele simboliza mais que a simples mudança de endereço. Trata-se da pedra fundamental para deixarmos de ser o Time do Povo outrora vislumbrado pelos nossos ancestrais e iniciarmos vida nova como um empreendimento com objetivos meramente financeiros, sobrepostos ao caráter de mobilização social, política, cultural e esportiva que nortearam nossa fundação.

Indício mais gritante desse direcionamento é o pouco caso com que a data está sendo tratada pela diretoria e, principalmente, pela Fiel Torcida. Preferem homenagear um dos responsáveis pela crise ideológica disseminada no Parque São Jorge a festejar e agradecer tudo aquilo que o Pacaembu nos proporcionou. O corinthiano, sempre grato aos seus heróis, hoje desdenha um dos seus maiores aliados.

Foi no Pacaembu onde experimentei algumas das principais emoções da minha vida. Sorri, comemorei, chorei, me decepcionei, fiquei com raiva, apanhei, apartei briga, fiquei rouco, gritei mil vezes Corinthians. Ali, naquele cimento da sagrada arquibancada, forjei minha cidadania e minha ética, aprendendo com os mais velhos e tentando passar aos mais novos algo que só vejo em estádios: a irmandade. Quantas não foram as lições desde o dia 07 de abril de 1993, quando pisei pela primeira vez no Municipal e percebi que era ali onde eu precisava estar durante toda minha vida. (A gente é ingênuo na adolescência)

E a festa, meus caros? As bandeiras, rojões, papéis higiênicos, aquela fumaça de cigarro e maconha, cenário perfeito. Os canalhas que comandam o futebol podem tentar acabar com o esporte, mas não com a memória. Toda vez que atravesso o Portão Principal, lá estão a minha esquerda os Gaviões da Fiel. Mais ao centro (não há as malditas cadeiras laranjas nessa minha digressão), abaixo das cabines de rádio do interior, o Ribeiro faz seu corre com a Explosão Coração Corinthiano. Acho que era ali onde Dona Elisa costumava ficar, e com certeza era dali que o Seu Tantan comandava o furdunço. Caminhando em direção ao Tobogã, está a Camisa 12 que, aliás, era recheada de comunista, isso eu vim saber depois. Quase lá no fim da ferradura da arquibancada, eis os Loucos da Fiel. Acima do Principal, a recente Pavilhão 9 começa a tomar corpo. À direita, a lendária e folclórica Torcida da Curvinha divide espaço com a Chopp. Era pano de Corinthians para todo lado. E quando as baterias desciam e faziam o aquecimento? E as assembléias no final do jogo? E o Alambrado, o importantíssimo alambrado? E a churrascaria na descida da escadaria (sempre quis ter dinheiro para comer lá antes do jogo)? E quando vendia cerveja? E os vendedores de amendoim? Lembranças, grandes lembranças!

Cada corinthiano sabe de cor e salteado o seu próprio Pacaembu e é esse significativo laço afetivo que será cortado no próximo sábado. São milhões de histórias que se cruzam na Praça Charles Miller para uma gelada, que se abraçam na hora do gol, que sofrem com as derrotas doídas e que, acima de tudo, tornam o Corinthians cada vez maior e melhor. Me pego imaginando o Pacaembu do vô Venâncio, que saía lá do interior e viajava 12 horas de trem para ver o Timão. Bóia-fria com uma dúzia de filhos para sustentar, ele fazia seu sacrifício e sempre conseguia separar o caraminguá do dever corinthianista.

Agora, fecha-se o ciclo para os vôs Venâncios, porque Itaquera não terá esse "público-alvo". O Corinthians embarca no sonho da classe média de ter seu imóvel em troca de uma dívida que consumirá o resto de nossas vidas, só para ficar bonito com a vizinhança. A visita não vai reparar na bagunça e todos permanecerão sentadinhos e comportados em seus lugares. Tudo pelo simples ter, pela posse que, no final, não vale nada.

O velho Pacaembu é um estorvo para dirigentes, imprensa e poder público. Chama muito o povo, iguala muito o povo, e o povo junto e igualado é perigoso se não for domesticado. Assim, o destino do Pacaembu já está reservado e será, provavelmente, o mesmo de todos que ainda prezamos por alguma dignidade no futebol. É por isso que, no sábado, sairei do Estádio Municipal com um vazio no peito que nunca mais irei preencher. 

Deste humilde filho que à casa promete tornar fica o agradecimento. Obrigado, Pacaembu! Você me trouxe humanidade, encorpou a minha alma, me deu amigos e serviu até para eu afogar mágoas que nada tinham a ver contigo. Você é um gigante. Inesquecível Pacaembu! Amo você, Pacaembu! Mesmo que daqui para frente não nos vejamos com freqüência, você estará para sempre aqui dentro.

É PACAEMBU! É PACAEMBU! É PACAEMBU! É PACAEMBU! É PACAEMBU! É PACAEMBU! É PACAEMBU! É PACAEMBU! É PACAEMBU! É PACAEMBU! 

19 novembro 2013

Onde o que eu sou se afoga


Cá estou, debaixo da sua asa, onde sempre deixo de fingir aquilo que acho ser. É inspiradora sua tempestade nesse meu mar sempre de calmaria. Me move, te instiga, e assim nos completamos. Você, que motiva tanta coisa boa em mim e aquece meu peito toda vez que ele teima em apagar, porque eu acho sim que sou meio sem sentimentos. 

E também acho que os astros são foda. Tenho que achar. Senão, o que explicaria caminhos tão próximos que correram o risco de nunca se cruzar, mas que se cruzaram e viraram uma avenidona pro teu caminhão desfilar na minha parada. Seria uma perda irreparável. E acho, aliás, tenho certeza, que não há coisa melhor em mim que você.

É em seu dia, mas não só nele, que eu venho te lembrar de novo - você esquece muito, duas da tarde tem remédio! - todo esse amor e combustível da sua presença em mim. É isso. Cérebro e coração, a dupla perfeita nos filmes, nos seriados, nos livros, na vida. Assim vamos, um aparando o outro, igual quando saímos dos bares. 

Amo. Sou fã irrecuperável. 

"Você é meu caminho
Meu vinho, meu vício
Desde o início estava você


Meu bálsamo benigno
Meu signo, meu guru
Porto seguro onde eu voltei


Meu mar e minha mãe
Meu medo e meu champagne
Visão do espaço sideral


Onde o que eu sou se afoga
Meu fumo e minha ioga
Você é minha droga
Paixão e carnaval


Meu zen, meu bem, meu mal"

24 outubro 2013

Ponto de saturação


Após milhares de entrevistas, reuniões e desculpas esfarrapadas, a noite desta quarta-feira escarrou na cara de cada corinthiano tudo o que se passa. Nas recentes conquistas, havia muita coisa inaceitável no Corinthians que foram relevadas - ou escamoteadas - por conta dos resultados. Não há, no entanto, enganação que dure para sempre. Não há vagabundagem que resista ao futebol. Não há descompromisso que fique impune.

Neste ano, o corpo dirigente, principal culpado pelo descaso vigente em todos os setores - do presidente ao roupeiro -, simplesmente ignorou o centenário da Revolução Corinthiana de 1913. Deram de ombros aos nossos antepassados, que tanto nos ajudam, iluminam e inspiram. Ao mesmo tempo, a torcida mergulhou de cabeça num estado de ruminação inédito e assustador, chegando ao cúmulo de bater palminhas hipócritas a cada vexame no Pacaembu.

Eis que uma cobrança displicente de pênalti por aquele que nunca deveria ter pisado no Parque São Jorge resume, em explícito recado, todos os erros acumulados nos últimos tempos. Está aí até para quem não quer ver. Atingimos o ponto de saturação e a Fiel Torcida se vê diante de um desafio crucial. Ela vai escolher que Corinthians teremos no futuro: aquele que sempre lutou, que sempre agregou e sempre serviu a seu povo ou aquele que se maquia de moderno, que pensa no business e renega suas próprias origens.

O Corinthians, quando vai a campo, não escolhe jogo. Cada entrada no gramado pelo escrete alvinegro já é uma vitória, já é mais uma prova da consolidação do sonho daqueles primeiros que forjaram o Time do Povo. Não é questão de ganhar ou perder, trata-se da postura. Trata-se de respeitar a camisa que veste. Hoje não nos dói a derrota, mas a falta de comprometimento instituída pelo filho da puta do técnico que tem o medo como principal característica.

Está na nossa mão, portanto. Se lá dentro, todos fogem da responsabilidade, é hora de cada torcedor tomar o Corinthians para si.


08 outubro 2013

A burrice, apenas a burrice


Pode parecer pedante, agressivo, ácido, radical ou intolerante. Ou então deve ser recalque de quem, aos 32 anos, ainda não se achou na vida e rasteja por aí, de bico em bico, tentando pagar as contas. Talvez até uma premissa de texto do Olavão, aquele. Pode tudo isso, mas eu vou falar mesmo assim. Anda insuportável a burrice disseminada como ar ou água, numa amplitude que não faz distinção de cor, credo ou classe social.

Listo aqui dois fatos recentes, e minha Evinha estava presente e pode tirar a prova caso haja dúvida:

1) Show gratuito no CEU Butantã. No palco, dois nomes importantíssimos do samba paulistano, um das antigas e outro mais recente, e ambos igualmente geniais. Osvaldinho da Cuíca e Kiko Dinucci fizeram um bem bolado de seus repertórios e mostraram como o samba paulista é riquíssimo, apesar da hegemonia da vertente carioca. Sotaques, causos e até um batuque diferente, tudo ali, de graça. O teatro do CEU, vale ressaltar, é belíssimo. Poltronas bem posicionadas e com qualidade de som superior a muitas casas de show badaladas. Ouso dizer, porém, que havia mais gente se apresentando do que assistindo.

2) Show de Alceu Valença no Credicard Hall. Deixamos para comprar ingressos horas antes da apresentação. Na aproximação da casa, estranhei a rua deserta, com vagas na rua a gosto do cliente e nenhum flanelinha. Paro o carro no portão do lugar e, enquanto a Eva vai comprar as entradas, fico ali ouvindo o papo de alguns cambistas desesperados para se desfazer do encalhe. Volta a Eva e vamos comer um cachorro-quente, quando chega um desses cambistas me perguntando:

- Esse Alceu Valença aí de hoje é forró universitário, né? 
- Olha, não é muito não - respondi, tentando não me irritar. Ele tem uns forrós sim, mas é bem mais velho...
- Ahhhh, mas é igual Falamansa, né?
- ...

Entra em cena a tia do cachorro-quente:

- Ah, mas hoje não enche não. Tinha que ser show igual do Fagner.
- Quem é Fagner? - pergunta o cambista.
- Aquele cantor lá, que toca umas músicas igual o Gustavo Lima.
- Ahhh...

Imaginem como desceu o cachorro-quente...

E o que eu quero dizer com isso? Estava difícil encontrar explicação até ler a entrevista com o escritor Bernardo Carvalho sobre seu livro "Reprodução". Grosso modo, a obra analisa o comportamento  dos internautas, caracterizado principalmente pela falta de reflexão e conteúdo. É necessário ler a entrevista, mas vou destacar aqui a frase que resume minha angústia recente: "A burrice era privada, mas agora é pública."

Voltemos aos casos acima. Como pode três grandes brasileiros receberem tão pequeno público? Como, já que o primeiro show era gratuito e o segundo custava R$60, bem abaixo dos valores que andam cobrando até em buteco com banda cover da pior qualidade? Por que raios não há a aclamação do povo por sua própria gente? Recorro novamente a Bernardo Carvalho, em definição à literatura que pode ser estendida: "A literatura passou a ser pautada pelo gosto da média. Mas literatura é reflexão, não só contar uma história."

Puxem pela memória e notem que a coisa é, além de grave, comum. Na imprensa, no bate-papo da padaria ou no bar, há a valorização da burrice e das coisas superficiais em detrimento do senso crítico. Lulista juramentado que sou, afirmo que os governos Lula e agora o de Dilma incorreram num erro imperdoável para quem promoveu tamanha revolução social. Essa revolução contemplou apenas os desejos consumistas da população que sempre foi excluída, deixando de lado a formação cultural. Entram nesse contexto diversas formas de conhecimento: político, econômico e artístico. O poder de compra bastou e o pessoal se contentou em ter seu dinheirinho para tentar mostrar uma superioridade volátil.

Não existe o mínimo de senso coletivo, tampouco preocupações em utilizar esse primeiro passo de inclusão financeira para reduzir desigualdades. No fim das contas, ninguém percebe que ter dinheiro não basta para entrar no clubinho dos bacanas pela porta principal. Sempre haverá uma pulseirinha de outra cor no teu braço, delimitando espaços que deveriam ser comuns e reforçando a idéia imortal da luta de classes.

É, portanto, um círculo vicioso, induzindo cada vez mais a aceitação de idéias, produtos e conceitos massificados e quase sempre medíocres. Termino com outra sugestão de leitura, dessa vez publicada no blog Scream and Yell sobre as diferenças na produção do festival Lollapalooza no Brasil e no Chile. Faço apenas um pedido: não entendam este post como sintoma da síndrome de vira-latas. Trata-se apenas de uma incompreensão pessoal que conta com inúmeras comprovações diárias e ainda esparsas, mas com gigantesca possibilidade se juntarem numa tempestade devastadora.

16 setembro 2013

Uma foto, muitos significados


Está estafante e repetitivo bradar sobre o comportamento dos vagabundos e do treinador em campo, até porque é nítido que uma mudança radical se faz necessária. No entanto, pior que outra derrota vexatória em pleno Pacaembu - graças a São Jorge, não tive o desprazer de ver in loco - foi a imagem presenteada pelo declarado candidato à presidência do clube, seu André Luiz Oliveira, e por Andrés Sanchez. Ambos estão ao lado do padrinho, do velho gagá, do filho da puta responsável pelos piores anos do Corinthians. Este blogue dificilmente publica imagens, mas abrirei a exceção porque a cena é indecente:



Em primeiro lugar, vamos recordar algumas coisas. Essa gestão, que hoje permite e incentiva a vagabundagem descarada, vem sendo incensada como a grande revolucionária no mundo do futebol. Dizem que o Corinthians é exemplo administrativo, que não há mais problemas no clube e que a modernidade vem lá da zona leste da capital paulista. Arrota a imprensa e engole o torcedor, cada vez mais alienado. Repetem, sem a menor vergonha e com grande desconhecimento, que o Corinthians era um antes de Andrés e passou a ser outro depois dele (argumento válido se considerarmos que as coisas pioraram). Olhe de novo para a foto e pense em um nome: Wadih Helu.

O que eu acho disso tudo? Trata-se de um caso explícito de tráfico de influência, corrompendo principalmente aqueles que deveriam zelar pelo clube. Eu, você, nossos amigos e conhecidos, todos somos alvo dos tentáculos desse criminoso modus operandi. É quase igual a uma doença auto-imune, que estimula o corinthiano a promover revisionismos históricos e esquecer de tudo que nos ensinaram os ancestrais. Cobram-nos ingresso caro? Está ótimo. O time não entra em campo para lutar? Tudo bem. Os 200 traidores do Conselho Deliberativo fingem não ouvir sobre a manutenção do promíscuo chapão? Ah, pára de cornetar porque somos campeões da "liberta".

Mas são essas - a "liberta", uma contratação espalhafatosa que traz poucos resultados ou uma ação de marketing - as reais prioridades do corinthiano e do Corinthians? Qual o legado do clube se continuarmos nessa toada de descompromisso, falta de identidade e mediocridade? O Corinthians, que sempre lutou e que sempre inspirou seu povo, hoje nos faz sentir o quê? Aí eu peço: olhe mais uma vez a foto acima. Ela é praticamente um dicionário, de tanto significados que carrega.

QUE CORINTHIANS IREMOS DEIXAR PARA AS PRÓXIMAS GERAÇÕES?

P.S.: Leiam o AnarCorinthians.
 

30 agosto 2013

Autofagia


O conceito de autofagia é diverso. Na Biologia, esse processo é descrito como benéfico às células, pois é um mecanismo de renovação e limpeza. Basicamente, um componente sem serventia é transformado e aproveitado para a própria sobrevivência celular. Na lingüística, porém, é possível atribuir um significado negativo à palavra. Uma obsessão, uma paixão não correspondida ou um fator externo pode gerar um comportamento de auto-sabotagem no sujeito, fazendo com que ele se consuma até a completa degradação. 

Venho remoendo esse segundo aspecto com freqüência neste ano derradeiro do Corinthians como locatário do Pacaembu. Sinto muita falta daquela atmosfera de 20 anos atrás, quando iniciei minha vida nas arquibancadas do Municipal e de alguns outros poucos estádios pelo país. Também não vejo mais o Corinthians como o Corinthians Centenário que toda nossa história sempre nos mostrou.

O marco inicial desse processo de automutilação é, sem dúvida, a administração de Andrés Sanchez e continuada por Mario Gobbi. Ela vem sendo baseada na distorção do conceito pregado nas arquibancadas de apoio incondicional ao time que, no entanto, sempre valeu somente enquanto a bola rolava. Simultaneamente ao revisionismo comportamental, a diretoria promoveu despudoradamente a elitização da torcida, trazendo cidadãos mais brandos e cordatos à cancha. É notório: há muita gente que não dá o valor devido a seu ingresso. São os clientes, os consumidores cheios de descompromisso - para não dizer desconhecimento - com a causa de 1º de setembro de 1910 que, em 1913, revolucionou o futebol devolvendo-o ao povo.

Daí, vamos ao que se passa dentro de campo. Em agosto de 2011, oficializei meu posicionamento com relação a esse senhor que hoje é aclamado por crítica e público como "gênio", "inovador", "gestor de pessoas" e o que mais valha. Não é possível admitir elogios a um sujeito que troca lateral por lateral quando precisa vencer uma partida. Não é suportável um esquema tático com 4 laterais e 3 volantes. O fígado não dá conta de ver 11 jogadores defendendo escanteio e, ainda assim, levar gols de equipes muitas vezes inferiores.

Há quem diga que o referido treinador é grande vencedor de títulos, e a essas pessoas faço duas observações. A primeira, gravíssima: para cada taça levantada, há um vexame histórico proporcional. Não irei relembrar aqui para evitar a zica, mas nos últimos três anos o Corinthians se viu diante de marcas negativas inapropriadas a sua trajetória. A segunda? Vencer faz parte da essência do Corinthians, independentemente de quem está lá. E quem está lá, aliás, tem a OBRIGAÇÃO de tornar essa premissa verdadeira.
  
Fato é aquilo que a gente sempre fala por aqui porque aprendeu com os mais velhos: o Corinthians em campo é o reflexo de sua torcida na arquibancada. Cabe a todos uma avaliação das nossas reais responsabilidades nesse Corinthians atual e tão sem identidade. Destaco que não devemos esperar qualquer tipo de mobilização transgressora e de fundo político ou social partindo de torcidas organizadas. Se este espaço não se furta em defender tais entidades de ataques infundados e sabe da importância que todas elas têm na festa dos estádios, também não sou ingênuo e noto quão distante estão os meus objetivos dos delas (aos desavisados, tirem o cavalo da chuva: não busquem neste blogue guarida para discursos flaviopradistas ou motoblogueiros contra as organizadas).

Qual seria, então, ó iluminado e prepotente escrevente, a fórmula mágica para que retomemos o rumo? Não sei. O importante é saber das premissas do corinthianismo, sempre includente e participativo. Saber que há 200 traidores no Conselho Deliberativo que, como promessa não cumprida de campanha, disseram que iam acabar com a aberração anti-democrática do chapão. É brigar por uma maior acessibilidade do corinthiano à vida no clube social, com mensalidades e títulos mais baratos, e lutar por ingressos a preços populares. É fazer do estádio em Itaquera nosso pré-sal, revertendo os ganhos em benefício ao povo corinthiano. E, principalmente, ter senso crítico. Cobrar. Exigir compromisso e sangue pelo Corinthians.

Às vésperas de nosso 103º aniversário, é forte a tendência ao pessimismo. A estratégia e a ideologia implementadas nas salas ar-condicionadas do Parque São Jorge nos direcionam na contramão daquilo que os ancestrais corinthianos elaboraram e consolidaram. O Corinthians não pode ser covarde, não pode entrar em campo para empatar e para se defender. O Corinthians é um gigante, tão grande que não cabe em si e, por isso, já foi definido como um estado de espírito. E essa compreensão só vem com o senso crítico apurado, sem firulas de marketing e sem as mentiras da imprensa. 

Volte-se ao Corinthians, irmão corinthiano. Discuta, escute, fale, mobilize-se. No buteco, na praça, na garagem de casa, no samba, no quintal. Transformemos essa angústia em algo que nos alimenta e nos fortalece. 

VAI CORINTHIANS!


20 maio 2013

Coringão do Paulistão e Campeão!


“A mão que pôs, na encruzilhada, a vela
A mão que na bandeira pôs a vida
A mão que sem mais essa nem aquela,
No ingresso deu o prato de comida

A mão que se crispou em agonia
A mão que no incentivo se agitou
A mão que deu na cara da ironia
A mão que desaforo não levou.

É a mesma que amanhã no trem lotado
Vai mostrar no jornal, escancarado, na manchete:

CORINTHIANS CAMPEÃO

E ninguém vai chorar do mau salário, da condução
Nas ruas, o operário vai refazer os gols do Geraldão”


(Raul Drewnick)

As últimas postagens falaram das lições e a conquista do domingo mostrou o porquê da queda no meio da semana. Mostrou o caminho a percorrer. O fim de semana cinzento na capital paulista deu lugar a uma ensolarada segunda-feira, porque "quer amanhecer uma segunda-feira feliz seja corinthiano", diria Rubinato. O povo está em festa porque o Corinthians, maior movimento social do mundo, só existe para isso: dar alegria ao seu povo.

Há quem esteja caindo nas armadilhas dessa imprensinha suja, que remoa sentimentos desnecessários. Para você, sugiro saber o real interesse na desvalorização vil aos Estaduais. Tudo se resume ao projeto contra a Revolução de 1913, cujo centenário foi honrado dignamente com o 27º título de Campeão Paulista. Enxergue isso. Saiba quem são nossos inimigos - imprensa, dirigentes e órgãos de repressão disfarçados de segurança pública. E, acima de tudo, comemore esta e todas as Taças Estaduais que o Corinthians já levou para o Parque São Jorge, pois cada uma delas é a mão dando na cara da ironia.

VIVA O CORINTHIANS! VIVA O CORINGÃO DO PAULISTÃO! 

FESTA NA FAVELA!

17 maio 2013

Coringão do Paulistão - parte II


Transcrevo mais um belo texto publicado no Jornal da Tarde, no mesmo encarte em que estava a mensagem de Adoniran Barbosa em comemoração ao título da libertação de 1977. Este aqui é extenso, mas lindo e riquíssimo em informações, e de autoria de Elói Gertel - destaque para lições do grande e insuperável Neco. Que sirva de inspiração para o próximo domingo, na decisão mais importante deste ano. VAI CORINTHIANS!

*nota: mantive as grafias "Coríntians" e "corintiano" utilizado pelo jornal.

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A história do grito de um povo
Recordações, velhas páginas de arquivo: o Coríntians se explica nos seus heróis.

Agora você já pode dormir suas noites em paz, amigo Wilson, sem prensar nunca mais que o grande culpado por esses 22 anos de angústias, derrotas e traumas que envolveram as onze camisas de todos nós. Tire sua bandeira da gaveta, beije-a, não se iniba com as lágrimas, saia para a rua e grite: Coríntians, Coríntians...

É o mesmo grito, calado há tanto tempo em seu peito, mas perceba como o eco é mais forte. Assim como todos os leitores destas linha, você também é um dos personagens do mais belo capítulo de nossa história, concluído com a vitória de hoje.

Um capítulo que tem no amor, e não na tristeza, seu grande herói. Não há notícias, no mundo da bola, de que em alguma época um time tenha enfrentado um desafio mais difícil, penoso e longo. Para sair, a cada tropeço, a cada obstáculo, mais forte ainda. Superando seu próprio futebol, transformando-o em figura secundária.

Por isso, Wilson, permita que o apresente aos amigos que festejam ao nosso lado, em toda a cidade, não apenas para que você esqueça de vez essa sua incrível e injusta autopunição, mas também para mostrar a todos que a história do Coríntians não é feita de nomes, datas, resultados ou títulos, amarelados em velhas páginas de jornal. Ela é feita de sentimentos, de vida.

Um pedido, a Deus, no alambrado do Pacaembú. Ano: 55

Os avós deWilson-San, com a família, vieram para o Brasil no primeiro navio de imigrantes japoneses que chegaram aqui em 1908. Ficaram em São Paulo, começaram vida nova e, aos poucos, estavam integrados. Certo dia, o velho pai resolveu levar todos para ver um jogo de futebol, esporte que os brasileiros tanto gostavam e falavam.

Pais, mãe, filhos, noras e genros, lá foram eles para o estádio. Resultado: quando Wilson nasceu, o primeiro brasileiro da família, na porta do quarto de sua mãe, na maternidade, estava pregada uma camisa branca do Coríntians. E no começo da década de 50, o jovem Wilson era um torcedor respeitado e querido nas gerais da cidade. 

Era ele, o "japonês corintiano", em seu MG conversível, quem comandava os corsos na avenida São João, rumo ao Parque São Jorge, nas comemorações pelas grandes vitórias e títulos que o Coríntians conquistava. Invadia o campo, carregou Luizinho nos ombros na inesquecível tarde de 6 de fevereiro de 1955, mas deixou os estádios alguns anos depois, por sentir-se culpado.

- Naquele jogo, em que conquistamos o título de Campeões do Centenário, eu estava no alambrado, torcendo muito. Quando o Palmeiras empatou fiquei nervoso demais, tive a impressa de que perderíamos e, nos minutos finais, disse comigo mesmo: 'Meu Deus, se o Coríntians for campeão hoje, pode ficar dez anos sem ganhar um título'.

- O problema todo, e isso não me deixa dormir, é que não sei se repeti duas ou três vezes esse pedido, sempre que o Palmeiras atacava. Não consegui, depois, continuar indo aos jogos. Em casa, quando o Coríntians perde, todos choram e eu me sinto culpado. Não mereço ver nossas batalhas, pela desconfiança que tive no time, nos últimos minutos.

Ouvi essa história, contada pelo próprio Wilson-san, na noite de 22 de dezembro de 1974, num pequeno bar japonês da rua dos Estudantes, na Liberdade, onde eu e meu amigo Tom procurávamos nos embebedar, longe de tudo, para esquecer a tragédia de algumas horas antes, no Morumbi, quando o Coríntians perdeu o título de 1974. 

Ele era o único freguês no bar, bebendo saké, e tentou nos consolar contando sua história. Choramos os três, como toda a cidade. Depois nunca mais vi Wilson.

Nossos olhos não acreditavam naquilo que viam

Ah, companheiro que não esqueço, por que duvidar tanto do Coríntians de 1954, time que a maioria dos fiéis de hoje não viu jogar, mas cuja magia respiramos por tantos e tantos anos, como o oxigênio necessário para mantermos a própria vida, como amor às onze camisas brancas, a cada jogo, apesar de tudo, até a vitória de hoje?

Que time era aquele?

Eu perguntava, ontem, desesperado entre velhas e frias páginas de arquivo, incapaz de encontrar alguns dos nossos em condições de me responder alguma coisa em vez de chorar no momento de recordar. Foi quando me trouxeram sua carta, Victorino, pulsando de sentimento em cada palavra, de paixão em cada linha, lembrando o que lhes aconteceu há tanto tempo.

'Corria o ano de 1954. Portugal era o meu berço natal, 9 anos eram toda a minha existência, e o Brasil a minha esperança. Meados do campeonato, o título de 100 anos em jogo, disputado a ferro e fogo, os meu pequenos e inocentes conhecimentos de futebol levaram-me pela primeira vez a um estádio, conduzido pelas mãos de meu avô, também português e convicto torcedor da Portuguesa. 

Eu queria sentir bem de perto o deslumbramento e as emoções do futebol e meu avô, evidentemente, demonstrava sua intenção e procurava influenciar-me, pois sabia que eu não tinha camisa nem bandeira e, por lógica, seguiria a tradição. Deu um lado, vi um time de cores vibrantes e bonitas, a Portuguesa, cores que me faziam lembrar a bandeira pátria; do outro lado, o preto e branco, cores que não ofuscavam os olhos.

Comecei a sentir que deveria haver uma força estranha e inexplicável impulsionando aquele time de cores discretas para frente; a garra daqueles rapazes era arrasadora, os ataques desfechados contra o gol inimigo eram fulminantes; qual aríetes de guerra, eles fustigavam sem cessar; camisas coladas ao corpo suado, eles enlouqueciam o adversário que se sentia submisso e impotente.

À minha volta e por todo o estádio, um grito uníssono e brutal: Coooooríntians... Inconscientemente, com o correr do tempo, fui incorporando aquele estado de alma e a voz, no início fraca e tímida, ao final já era a plenos pulmões: o meu grito tornava agora o grande grito ainda mais forte'.

E o que via aquele menino, dentro daquelas camisas, que jamais pode esquecer?

'Nos pés do líder Cláudio iniciava-se a apoteose: a bola vinha certeira, precisa, sem margem de erro. Um negro forte e impetuoso saltava e, com um fantástico golpe de cabeça, aninhava a bola no fundo das redes adversárias. Era gol de Baltazar! E Luizinho? Ah! que moleque, corpo franzino, um pigmeu, um pequeno diabo, assombrava os atléticos e rústicos super-homens, pondo-os por terra com seus dribles, fazendo-os beijar a grama.

Idário! Que grande coração não deveria ter aquele jogador! Ele simplesmente matava os adversários, espremendo-os, afugentando-os. Goiano, ao seu lado, com uma incrível e inesgotável força; Gilma, segurando os bólidos mortíferos e indefensáveis; o estilista Roberto, o vibrante e oportuno Carbone. O Simão, o Homero, o Alan, o Nonô e o jovem Rafael.

Formavam um grupo de homens que superavam a ausência de uma técnica mais apurada com uma garra quase sobrenatural. Nunca se consideravam batidos. Muitas vezes, os nossos olhos não acreditavam no que viam: tudo parecia perdido, nem diante da mais otimista expectativa seria possível chegar à vitória.

Mas de repente, nos últimos suspiros da partida, o arco inimigo era estourado; caia uma vez, duas, e chegando às raias do absurdo, até três ou quatro vezes!'

Que Coríntians é esse, de imigrantes, pretos e gentinha?

Obrigado pela carta, irmão Victorino, um abraço de todos nós, mas uma coisa, que também não vi então, passou despercebida àquele garoto de 9 anos: no banco de reservas, não tínhamos um técnico, mas um igual, capaz de tanto tempo depois, como um feiticeiro aliado aos deuses da bola e do amor, reviver a mesma vontade. 

Vontade inexplicãvel para aqueles cinco homens que, apesar do estado de sítio decretado pelo presidente Nilo Peçanha, por causa da agitada campanha para a sua sucessão, tiveram coragem de se reunir numa esquina do bairro do Bom Retiro, num dos últimos dias de agosto de 1910, sob a luz de um lampião. 

Confundidos com revolucionários, foram obrigados a correr, um para cada lado, quando soldados a cavalo puxaram a espada e avançaram. Mas eles não desistiram, imitando sem saber os habitantes de Corinto, cidade grega convertida ao cristianismo pelo apóstolo Paulo, que jamais se dobrou a qualquer desgraça, motivando, séculos depois, o nome que universitários ingleses deram ao time de futebol que formaram: Corintian Team, de Londres.

Foi esse time que destroçou todos os outros existentes por aqui no começo de 1910, o inspirador dos nossos cinco amigos; um pintor de paredes, três ferroviários e seus companheiros - barbeiros, charreteiros, artesãos, pequenos comerciantes, gente miúda que na maioria tinha poucos anos de Brasil, para onde vieram criar um lar, uma vida.

Eles fizeram reuniões à luz de velas que o vento insistia em apagar, na casa do barbeiro Salvador Bataglia, que convenceram a lutar pela causa e cujo irmão, Miguel, foi eleito o primeiro presidente; passaram listas e mais listas à procura do pouco dinheiro que sobrava no bairro; costuraram uniformes com sacos de farinha de trigo, viram as primeiras camisas compradas com tanto sacrifício perdes a cor creme e ganhar o doce branco de hoje.

Eram pobres, quase todos assalariados, lutando pela sobrevivência, como o povo que lota as gerais em nossos jogos de hoje; e isso explica o crescimento e a grandeza do Coríntians. Foi o primeiro clube pobre do Brasil, admitia pretos, admitia soldados, seus jogadores eram quase todos operários e o futebol de São Paulo, naquela época, era coisa de gente rica.

Eu leio aqui, num velho recorte de revista, que na década de 1910 "os jogos se realizavam no campo do Velódromo, elegante lugar de reunião da alta sociedade paulista. Só jogava bola quem fosse filho de fazendeiro, empregado do alto comércio ou estudante de nível superior.'

E então veio o Coríntians, saindo da várzea do Bom Retiro, para romper com tudo isso. Com ele, o povo passou a poder jogar futebol. Não era mais a "gentinha" de um bairro, como era tratada pelos donos do esporte até então, mas de toda a cidade: italianos, portugueses, espanhóis, imigrantes, paulistas pobres e ex-escravos, trabalhadores braçais, que começavam a transformar, com seu trabalho, a provinciana cidade no que é hoje, um Coríntians gigantesco de todas as religiões, raças, preto e branco.

É um Coríntias de amor, fibra, sem comparações

Em 1914, conquistou seu primeiro título, sem nenhuma derrota, façanha inédita na época. Era o melhor e mais popular time da cidade, e quem poderia controlar aquela fama? Os jornais da época, que releio agora, contam que a poderosa Associação Paulista de Esportes Atléticos não queria aceitar o Corintias, que ficou sem disputar o campeonato de 1915.

Sua origrem era muito humilde, sua gente também. Para a elegante APEA, era demais. Neco já era um ídolo nessa época e foi ele quem me contou, pouco antes de morrer:

- Eu pagava dois mil-reis por mês para jogar no Coríntians. Quando não tinha, tirava o dinheiro da bolsa da minha mãe. O Coríntians era pobre, como sua gente, mas já era uma alegria. Depois dos jogos a gente saía abraçado com os torcedores, íamos jantar na casa de um ou de outro, sempre de bonde.

Neco, hoje, é muito mais do que aquela estátua que está no meio do Parque São Jorge, com seus títulos: campeão paulista, pelo Coríntians, em 1914, 1916, 1922, 1923, 1924 (primeiro tricampeonato), 1928, 1929 e 1930 (segundo tricampeonato), campeão brasileiro com a Seleção Paulista em 1922 e 1923, campeão sul-americano, com a Seleção Brasileira, em 1919 e 1922.

Foi ele quem criou a mística do jogador corintiano, que ajudou a transformar, com seus companheiros, a nossa camisa em legenda. Eu o ouviria, por mil noites seguidas, com a mesma emoção.

- Em 1919, depois que ganharmos o Campeonato Sul-Americano com a Seleção Brasileira, o Arnaldo Guinle, um dos donos das Docas do Rio de Janeiro e diretor do Fluminense, me ofereceu 100 mil cruzeiros de luvas e mais um emprego para trocar de camisa. Eu não ganhava nada aqui, mas respondi: por nada desse mundo eu deixo o Coríntians.

Em sua chegada, aqui, foi carregado em triunfo. Cumprimentado pelo governador Altino arantes, foi a pé do Palácio até sua casa, pois não tinha o dinheiro do bonde. E ao chegar no seu emprego de marceneiro, em Santana, estava despedido por faltar muitos dias.

- Um dia resolvi que deveria ser o capitão de nosso time. E para impressionar, depois de um treino, avisei: ou vocês me deixar ser o capitão ou vou para o Palestra. Quando cheguei em casa, de noite, papai já estava sabendo da história e disse: se você vai para o Palestra mesmo, não precisa nem passar da porta.

As histórias de Amilcar Barbuy, Rodrigues, Tatu, Tuffy Neugen (o Satanás), Grané (o canhão 420), Del Debbio, Perez, o velho Rafael, Guimarães, Rueda, Gambarotta, Filó, Nerino, Rato, De Maria, Gambinha, Aparício, Munhoz, Jango, Dino, Chico Preto, Augusto Brandão, Jaú, Milani, Lopes, Teléco, Servílio e todos os outros, da geração campeã de 54, não são muito diferentes da de Neco, apenas variam de intensidade. 

Neco não estava mais presente quando conquistamos os títulos de 37, 38 e 39 (terceiro tricampeonato), viu de longa as conquistas de 41, 51, 52 e 54, sofreu como todos nós de lá para cá. Mas seus filhos estão gritando por ele, Coríntians, como o jovem Uriel Fernandes Filho, que está chorando de alegria ao meu lado.

Pelo Coríntians, por ele e por seu pai, o Teleco, nosso maior artilheiro, 243 gols em 234 jogos, que ergueu a taça de campeão em 1937, 38, 39, 41 e que hoje, aos 63 anos, ganha mais uma. Teleco é o homem que cuida da Sala de Troféus do Coríntians, guardados com carinho porque cada um deles representa a mesma raça, fibra e amor que sentimos hoje, com este Coríntians campeão."

16 maio 2013

Teu presente, uma lição


A Fiel Torcida andava mal-acostumada. Foram 3 títulos em seqüência, um deles inédito e que acabou pondo fim ao principal argumento da anticorinthianada, que até hoje não se recuperou e tenta reescrever a nossa história de amor a partir do ódio deles. Curiosamente, essas conquistas trouxeram um ônus terrível: a falta de humildade. O corinthiano, no geral, estava se portando como uma vagabundinha, exibindo por aí seus penduricalhos para tentar comprovar uma hegemonia que, no campo, já se bastava. O pessoal se pautava por disputa de maior patrocínio e se deslumbrava por estar na Forbes e na The Economist, coisas tão abomináveis e tão contra nossa tradição. Ah, a "liberta"...

Neste 2013, no entanto, o Corinthians fez apenas uma boa partida: o primeiro jogo da final do Paulistão. De resto, vimos bagunça tática e discursos infundados de jogadores querendo escolher o campeonato, como se qualquer partida não fosse importante o suficiente para ser levada a sério. De novo, a falta de humildade de um grupo que não tem nenhum craque, mas que estava pisando no gramado com uma empáfia inexplicável.

Veio, então, a lição da última quarta-feira, implacável e amarga. Não fomos só eliminados, fomos expostos a uma vergonhosa manipulação de resultado pela arbitragem, a um time que só conseguiu jogar bola durante cinco minutos e a um treinador cujas limitações são gritantes. Vimos um grupo de atletas sem o menor brio e sem o sangue quente o suficiente para mostrar ao canalha do apito que o Corinthians jogava em sua casa. Foi essa a conta pela covardia e empáfia que estavam se repetindo desde o começo do ano.

Repito mais uma vez: a humildade é algo essencial para o corinthianismo e para que os recados sejam compreendidos. Se estamos sentido o gosto terrível da eliminação, é preciso dar atenção à mensagem. Depois de apostar todas as fichas cegamente em um torneio que foi uma sucessão de erros desde o começo - a morte de um moleque boliviano, a prisão de 12 inocentes em território estrangeiro e as inúmeras canalhices do tal tribunal de disciplina da Conmebol -, seria o caso de trancar a porta, olhar para a sujeira da nossa casa e dar uma geral.

A torcida começou a fazer isso de maneira bela e brilhante antes mesmo do fim da partida. Exaltou nosso Corinthians em Templo Sagrado como há muito não se via. Foi uma renovação de esperança aos mais velhos e um aprendizado aos mais novos, mostrando que o Corinthians extrapola o futebol. O Corinthians é vida, é parte da identidade de cada corinthiano que neste dia triste enverga seu manto com orgulho pelas ruas. 

Aos jogadores, comissão técnica e dirigentes: saibam que esse grito não foi para vocês. A Fiel estava dando prova de sua autonomia, criando seu próprio combustível e, mais uma vez, garantindo sua perpetuação. No domingo, vocês serão colocados em xeque. Façam o que bem entenderem, mas saibam que para tudo há conseqüências.

E QUEM NÃO FOR CORINTHIANO...

07 maio 2013

Coringão do Paulistão


O senso crítico que sempre fez parte do viver do corinthiano vem sendo podado com o tal futebol moderno. Dirigentes, muito espertos, aproveitaram um dos lemas da Fiel - aquele de apoiar o time em campo de maneira intensa durante os 90 minutos - e distorceram o conceito, utilizando-o como forma de alienação. Hoje em dia, tudo está bem, tudo está ótimo, tudo está colorido e lindo no Parque São Jorge. "Tem que apoiar incondicionalmente", dizem. Oras: e não apoiamos? Oras de novo: e apoiar não é, justamente, levantar críticas sobre aquilo que nos desvia dos ideais de 1910? Ao menos foi o que aprendi nessas inúmeras páginas que li e nesses 20 anos de estádios...

O Corinthians em campo é reflexo de sua torcida na arquibancada. Se  vemos jogadores vagabundos escolhendo campeonato a ser disputado e dirigentes cuspindo em nossa Centenária História, é porque estamos deixando. E, ao deixarmos, estamos sendo irresponsáveis. 

Estamos às vésperas de mais uma importante final do Paulistão, aquele torneio tão gigantesco que os abutrinhos insistem em querer desmerecer, como fazem também com o próprio Corinthians. Que ao menos os vagabundos já citados tenham vergonha na cara e joguem bola, para honrar os 100 anos da Revolução Corinthiana de 1913 e homenagear aqueles heróis que colocaram o Time do Povo no seu devido lugar. 

Para prepará-los o espírito, reproduzo abaixo uma reportagem de 14 de outubro de 1977 - publicada pelo Jornal da Tarde na ressaca do maior título alvinegro - com João Rubinato. Vestido de seu mais célebre personagem, o Adoniran Barbosa, ele fala do Corinthians essencial, do Corinthians que todos queremos para o futuro. Esse texto só está aqui graças ao presente sensacionalmente maravilhoso que minha Evinha me deu, reunindo diversos recortes históricos daquele dia que em breve estarão por aqui.



"Adoniran Barbosa: 'Sô Corintiá'

'O Corintiá tem a minha idade, nascemo em 1910'. Adoniran Barbosa, boêmio nos velhos tempos viu um dia demolirem a maloca onde costumava passear com seu cachorro Peteléco, quando morava na rua Aurora. 

- Doeu no fundo do meu coração o que vi, eles ia fazê um prédio no lugá donde morava meus amigos Mato Grosso, Mario, Joca, Curintiano. A tristeza foi tão grande que desandei a cantá: 'Cada tábua que caía doía no coração / Mato Grosso quis gritar mas em cima eu falei / os hómi tá cá razão / nóis arranja otro lugá'.

Adoniran fugiu da escola no terceiro ano do primário e não tem vergonha de confessar: 'Num sei escrevê, nem falá e assino em cruiz', diz, e completa: 'Sô Corintiá, sou povão', e lembra com saudades do tempo em que almoçava e jantava pão, ovo e sardinha, muitas vezes preparando-se para ir ao Pacaembu ver o seu Corintiá -: 'Porque ristauranti e marmita saía caro'.

Hoje artista de televisão, ele lembra com carinho quando era encanador, pintor de parede, balconista, serralheiro, garçon. Lembra das rádios, onde foi tudo, menos operador e técnico. Foi cantor - seus instrumentos eram a caixa de fósforos e o chapéu de palha. No programa 'Histórias da Maloca', foi o cômico Charutinho, um favelado que resistiu 14 anos, na rádio Record. À sua primeira composição, Dona Boa, seguiram-se outras, como Saudosa Maloca, Trem das Onze, Samba do Arnesto, Aqui Gerarda e Pafúnça. Agora, ele gosta mesmo é de falar com seu Corintiá:

- Sou Corintiá porque sô povo, devo a ele meu sucesso. Minha música é o chão falando, o chão de terra batida que fica nesses bairros descalços de São Paulo. Basta escuitá no chão qui o povo pisa e traduzi essa linguage. Faço samba prá pobre. Comigo não tem dessa de granfino. Afinal, quase todos meus amigo são criolos, corintianos, e como é que eles ia me entendê si me metesse a falá difice, todo cheio de esses e erres?

Adoniran só lamenta não poder ir aos estádios ver seu Corintiá jogar. Porque as emoções poderiam ser muito fortes. Mas foi cheio de esperanças que deixou um depoimento, sexta-feira, ditado a um amigo, no balcão de um boteco, no Sumaré:

'Sô corintiano, meu amigo, desde 1910. Quando tinha déis ano, comecei a gostar do Corintiá, não do Corintiá de São Paulo ainda, eu morava em Jundiaí, gostava do Corintiá Paulista de Jundiaí, que não tinha bão pra ele. Ia pra lá o Mackenzie, entrava bem. Ia pra lá o Palestra Itália, entrava bem. Ia pra lá o Paulistano, dançava. Num tinha bão pro Corintiá de Jundiaí. Agora, desde que mudei pra São Paulo, dos tempos de Tufí, Grané e Del Debio, Jango, Brandão e Dino, sô Corintiá daqui. Só tinha nego bão, e Rato, De Maria, famosa ala esquerda. Tinha também o Jaú, negrão bão. O Neco, qui batia de cinta no juiz e otros bichos bão. Em 22, o Corintiá foi Campeão do Centenário, daí pra frente, que eu me lembre, o Corintiá sempre foi campeão i eu sempre corintiano. Sempre, sempre, sempre. Naquele tempo, o jogadô almoçava em casa e levava carção, meia e chutera debaixo do braço. O Corintiá sempre foi assim, amor e sangue pela camisa desde o Bom Retiro, bairro onde foi fundado. Eu sempre Corintiá, perdendo ou ganhando, modéstia à parte esse slogan é meu, põe ele em letra grande: 'Quer amanhecer uma segunda-feira feliz seja corintiano'. Num tô mintindo não. Naquele tempo, os bondes ao passar um pelo otro se cumprimentava sorrindo, os motorneiro batia a campainha um pro otro, era blén, blén, blén, saudando também o Corintiá. E sempre campeão até 54 com Brandão na direção e Gilmar, Murilo e Olavo; Idário, Touguinha e Roberto; Cláudio, Luizinho, Carbone e Mário. E timão não, meu Deus do céu, como vendia jorná esse time. Daí, um dia a Portuguesa deu em nóis de 7 a 3. Gilmar foi pro Santos, meu cachorrinho ficou doente nesse dia, não fui ao campo, fiquei em casa torcendo eu e o Peteléco. Até 3 a 3 tava bão, mas daí começamo a dançá. E muda a diretoria, muda não sei o que, muda não sei o que lá. Mais agora, é o seguinte: Corintiá tá como em 54, muito amor, muito sangue, muita valentia pela camisa. Continui assim, Corintiá, e ninguém segura nóis. Viva o Corintiá campeão. E, óia, amigo, vô assiná em cruiz porque num sei escrevê, tá bão? E viva Lauro D'Ávila, autor do lindo hino do Corintiá'"


26 março 2013

A quem interessa desmoralizar os estaduais?


Os primeiros anos da década de 1990, época em que as coisas se resolviam dentro do campo e no grito da arquibancada, foram os derradeiros do futebol de verdade. A transformação aconteceu quando os detentores do capital perceberam no esporte um terreno livre para lavagem de dinheiro e para auto-promoção. Pouco a pouco, foram instituindo valores alheios ao mundo da bola, alienando o torcedor e mostrando que penduricalhos inúteis eram mais valorosos que a luta, a beleza de um gol e o amor por uma camisa.

Tal processo de caráter mercantilista ganhou muita força com o anúncio da Copa assassina, evento que intensificou aberrações como a proibição de xingamentos ou de se assistir a uma partida em pé. Tudo isso, dizem, não condiz com o "espetáculo". Paralelamente, os regionalismos passaram a ser coisas superadas, incoerentes com a globalização e o cosmopolitismo que o sistema capitalista arrota. Antes exaltadas, as peculiaridades de cada Estado da Federação passaram a representar o atraso e a falta de civilidade. Bom mesmo é aquilo que acontece na Europa.

Oras, na Europa é preciso ganhar um campeonato nacional, de preferência por pontos corridos porque é mais justo (agora inventaram que o futebol precisa ser justo). Mas na verdade ele não vale muito, porque o que importa mesmo é conseguir uma vaga para o torneio intercontinental. Que por sua vez, dará "visibilidade" e garantirá "clientes" por todo mundo. Curiosamente, nessa equação estão ausentes fatores que foram a pedra fundamental de toda a história do futebol no Brasil. O Paulistão, a Taça Guanabara e a Taça Rio, o Gauchão, o Campeonato Pernambucano, o Mineiro, o Potiguar e todas as tradicionais disputas regionais não fazem sentido na conta elaborada pelos managers com expertise. Nesses casos, o modus operandi é simples: ignoremos o que não conseguimos entender.

É notável que, nesse caminho todo, ninguém parou para perguntar ao torcedor o que ele realmente quer. Empresários e dirigentes impuseram novas demandas como a obsessão por um torneio continental que, até pouco tempo atrás, era solenemente ignorado. O poder público retirou nossos direitos de um lado e, de outro, trabalhou em prol desses mesmos dirigentes e empresários, consolidando a aberração do Estatuto do Torcedor. E a imprensa abutre fez o trabalho sujo, disseminando a ideologia do troço e chamando de marginal e bandido aqueles que não se enquadram no "perfil do público-alvo".  

Voltemos aos anos 90, quando eu, corinthiano recém-iniciado no Pacaembu, achava que a coisa mais importante do mundo era defender meu Corinthians contra um Novorizontino ou um XV de Jaú. E ainda acho. Porque não me importo com o campeonato em disputa; me importo com o Corinthians no gramado. Cada entrada da esquadra alvinegra numa cancha é uma batalha vencida, um tributo àquela gente que em 1910 consolidou o sonho do povo.  O problema é que todos nós que pensamos assim, independentemente do time, somos um obstáculo, já que nossa teimosia também não cabe na equação apresentada acima. 

Isto posto, vale refletir sobre a pergunta sugerida no início do post. Por exemplo: é imoral o discurso de técnicos e atletas com relação aos Estaduais, dando a resposta esperada pelos jornalistas e dirigentes de que irão priorizar este ou aquele campeonato. Estão rindo da nossa cara e ainda há quem repita tais aberrações, num ato de irresponsabilidade que irá custar muito caro logo adiante, no bolso e na alma. Porque a nossa prioridade é e sempre será estar no estádio defendendo nosso amor a um time e exigindo, no mínimo, respeito e dedicação à camisa.

Agora, se tudo isso não convenceu, resta-me apelar: o babaca do juca kfouri chama o Paulistão de paulistinha. Escolha um lado.

Em tempo: vejam o tipo de gente que está "debatendo o calendário do futebol" e quais as idéias desses imbecis, que provavelmente não freqüentam as arquibancadas pelo país.


26 fevereiro 2013

Lições, reflexões, ações...


É realmente uma pena. Este espaço está há algum tempo largado às moscas e, vira e mexe, tento retomar mal-sucedidamente uma rotina de atualização. Nem mesmo sobre o Carnaval consegui escrever, e olha que o deste ano teve, como sempre, grandes emoções. Também havia programado na cabeça alguns textos da série Febre Alvinegra, mas não foi possível. Aí a sucessão de acontecimentos envolvendo o Corinthians e principalmente a Fiel Torcida vão merecer, imerecidamente, a primeira postagem de 2013.

Preciso, porém, fazer uma lembrança de muita coisa que escrevi nestes quase 7 anos de blog. Um dos assuntos constantes por aqui é o processo de elitização do futebol, projeto que se encontra em pleno funcionamento e expansão. Pior ainda, vemos o Corinthians como um de seus expoentes, graças à corja que toma conta do Time que foi, é e sempre deverá ser do Povo. Também falo muito da alienação decorrente dessa elitização, já que se trata de um plano autoritário e que carece do menor senso crítico possível. Finalmente, há o papel da imprensa esportiva, chamada por aqui de abutre de maneira quase que original (modéstia às favas).

Tal conteúdo vocês podem acompanhar por meio da busca desta página ali no canto superior esquerdo - notem que eu dei uma bela reformada na casa, atualizando o modelo e permitindo uma pesquisa mais completa - e perceber que meus argumentos basearam-se nas minhas experiências como torcedor in loco e também em alguns dados e/ou fatos. Recordo, em especial, de uma postagem de novembro de 2007, quando tratei do futuro do futebol brasileiro até a Copa do Mundo com sede recém anunciada para o país. Tudo, praticamente tudo se comprovou, e isso não quer dizer que eu seja vidente. Era a simples constatação de qualquer pessoa com o mínimo de noção da realidade.

Mas o que todo esse papo tem a ver com a grande merda ocorrida na última quarta-feira na Bolívia? Simples: o Corinthians em campo é reflexo da sua torcida na arquibancada. Obviamente que esse axioma vale para qualquer clube, mas no Corinthians o efeito é ainda mais gritante se levarmos em conta toda a trajetória alvinegra

Em 1913, o Corinthians iniciou sua luta para enfrentar aqueles que eram considerados os principais times de São Paulo. A credencial era merecida, após dois anos gloriosos na várzea paulistana. Mas a Liga Paulista de Futebol armou das suas para tentar impedir a mistura dos operários no então esporte da elite. Apelo a Lourenço Diaféria, em "Coração Corinthiano" para mostrar que, cem anos depois, basta trocar alguns elementos de uma mesma história. A "gentinha" arrematou suas credenciais pelo mundo e tornou-se necessário um outro Minas Gerais.

"(...) surgiu o Corinthians Paulista, e esse Corinthians de operários — que não tinham bicicleta e viajavam de 'caradura' para economizar uns vinténs e oferecer ao clube — se preparava agora para enfrentar uma cilada que a Liga Paulista de Futebol lhe tinha armado à sorrelfa, para tentar impedi-lo de se ombrear com os 'grandes do futebol'. Para disputar o campeonato da Liga Paulista de Futebol o Sport Club Corinthians Paulista teria, antes, de passar pelo cadáver do Minas Gerais e do São Paulo. Era agora — ou nunca mais! Os corinthianos se prepararam para dizer adeus à várzea.

(...)

Quando o time do Corinthians Paulista pisou o campo 'pequeno e duro' da rua da Consolação, quando os onze rapazes com camisas novas apareceram sob o céu do Velódromo, onde estreavam e inauguravam um sonho que os adversários torciam para que fosse um pesadelo, as arquibancadas do estádio, construídas para acolher 5 mil pessoas, balançavam de emoção. A torcida dividia-se em dois grupos: os corinthianos — e os 'anticorinthianos'. Os 'anticorinthianos' não torciam tanto pelo Minas Gerais Football Club. Torciam, sim, pela derrota do Corinthians, aquele atrevido, aquele ousado, aquele “bicão” com cheiro de povo, jeito de povo, coração de povo. Os primeiros carrapatos do 'anticorinthianismo' estavam ali agarrados nas vigas das arquibancadas, aves pardas piando maus agouros para aquela 'gentinha' alvinegra."

Não posso me omitir: falta-nos muito desse espírito de irmandade, de coletividade e de participação na Fiel Torcida, aquela que tem um time. Estamos, família corinthiana, diante de um dos maiores desafios e nossa sobrevivência depende disso. De maneira similar aos períodos da gênese, é a torcida quem irá determinar os rumos do Sport Club Corinthians Paulista. Somos nós que iremos impor a manutenção da força, da luta e da determinação tão marcantes no DNA dessa gigantesca instituição. A pergunta essencial a esse momento: QUE CORINTHIANS IREMOS DEIXAR PARA AS PRÓXIMAS GERAÇÕES?

Indo além das linhas inimigas, os torcedores rivais também têm com o que se preocupar. As sanções que hoje se aplicam a nós amanhã irão criminalizar toda a camada popular e ativa que, em maior ou menor número, vive em devoção ao seu time de coração. Não entrarei em análises sociológicas, psicológicas ou policialescas, uma vez que tem muita gente fazendo isso a partir de um enorme desconhecimento da realidade. Fico apenas com a parte que me cabe, denunciando os inimigos que desfilam de peito aberto: dirigentes, imprensa e grande parte do poder público. Há uma ideologia excludente vencendo o embate e acho que fica fácil escolher seu lado, sem comodismo, hipocrisia ou mediocridade. É essa ideologia, aliás, o verdadeiro assassino.