24 fevereiro 2012

Carnaval em Pernambuco - registro de um novo amor


É escancarada minha admiração pelo Rio de Janeiro, numa paixão que foi muito fomentada pelo Carnaval do lugar. Só que depois de visitar a Recife e Olinda no último mandato do Momo, o coração ficou dividido. Creio ter passado
em terras pernambucanas e junto da minha Evinha os melhores cinco dias de farra da minha vida. Justificativas para a nada exagerada opinião seguem abaixo.

- Recife e Olinda, as cidades e algumas percepções: o contexto histórico das cidades que visito sempre me interessam demais, e tanto Olinda quanto Recife são riquíssimas nesse sentido. Principalmente nos bairros onde se concentram as construções mais antigas, tudo remete à formação do Brasil e aos traços trazidos pela portuguesada na colonização. Culturalmente, o fato de Recife ter abrigado holandeses em certo período de sua ocupação e, depois, ter sido fortemente influenciada pelas bobagens norte-americanas de república falseada
(a tal revolta do Frei Caneca deve ter sido o primeiro "Cansei" do Brasil), faz com que a receptividade a influências externas seja muito notada no povo de lá.

Estruturalmente, senti falta de uma rede de hospedagem maior, já que estamos tratando de um pólo turístico muito importante. Aqui, uma dica essencial: durma na rua, mas fuja do Arcada Hotel, uma espelunca indizível que nos presenteou com dois dias sem água, debaixo de um calor constante que ultrapassava os 30 graus. Apesar de bem localizado, o troço não é barato e não vale os transtornos, que vão desde chuveiros indecentes até o ar-condicionado assassino para quem tem qualquer tipo de problema respiratório (há o cultivo de mofo confinado dentro deles).

O transporte público é outra coisa que deixa a desejar, ainda que seja abrangente (dá para ir a tudo quanto é canto de ônibus). Dessa forma, se você contar com uma graninha a mais, vale considerar alugar um carro porque os táxis também são meio salgados, quase como os de São Paulo. Mas especificamente para quem vai no Carnaval, o melhor a se fazer é arranjar um lugar na Praia de Boa Viagem, recheada de restaurantes, bancos, bares e que tais, e ficar rodando nos coletivos. Pousar em Olinda durante a folia só serve se você não fizer questão dos milhares de shows das centenas de pólos que funcionam na capital, preferindo os blocos. Essa opção, porém, é mais cara.

- O povo pernambucano: sempre tenho problemas em locais que, acertadamente, não foram empesteados por hordas de orientais. Nessas ocasiões, sou tratado como verdadeiro extraterrestre, com as pessoas apontando dedos, escondendo as crianças e atravessando a rua. Chegando a Recife, porém, o choque não foi tão grande, pois os chineses que fogem de la migra aqui de SP estão rumando em bando para o nordeste. Aliando isso à natural hospitalidade dos cabras de lá, me senti em casa na terra de Lua e Lula. O pernambucano é um orgulhoso de sua terra e vive intensamente todas as coisas de lá, principalmente o Carnaval.

Uma coisa, porém, me irritou profundamente: os caras não te escutam. Não se trata de falta de educação, eles simplesmente não fazem questão de te ouvir. Para alguém que, como eu, fala pouco e fala baixo, é viver num país de surdos. Outra curiosidade é a falta de noção de espaço e de conhecimento daquilo que vai além do cotidiano. Pedir orientações a um recifense sobre qualquer lugar que não esteja em seu caminho significa você tomar no cu. O ideal a turistas é se informar antes e levar um celular com GPS para se familiarizar nos primeiros dias - aos paulistanos, a cidade é pequena e não carece de muito para dominá-la.

Futebolisticamente falando, fiquei impressionado com a quantidade de torcedores de times paulistas. A óbvia predominância corinthiana é dividida com os bambis e porcos na contraposição aos clubes locais.

- O Carnaval, oras: nossa programação começou na sexta-feira, quando chegamos debaixo de um temporal que durou até a quarta-feira de cinzas e foi essencial para a sobrevivência nos dias de folia. Fomos cedo ao Recife Antigo assistir às apresentações dos grupos de maracatu e frevo que jorravam pelas ruas de pedra. A abertura do Carnaval, realizada no palco principal montado pela prefeitura no Marco Zero, foi uma cerimônia emocionante e indescritível que quase me levou às lágrimas.

Já no sábado de manhã, foi a vez do Galo da Madrugada. E o Galo, senhoras e senhores, é algo espetacular e incomparável. Aqui, o roteiro que fizemos serve de dica para aproveitá-lo tranqüilamente, sem o inevitável aperto causado pelas mais de 2 milhões de pessoas que batem cartão no bloco: pegamos o metrô e ficamos na confluência das Avenidas Sul e Saturnino de Brito, de onde vimos passar todos os 25 trios logo no começo do desfile. No mais, prepare-se para uma manifestação revigorante. Aquilo lá é o povo em estado bruto, é gente de todas as cores e lugares se abraçando e cantando frevos, sambas, marchinhas e o que mais der na telha.

Para os outros dias, ficamos nos blocos de Olinda, cujas ladeiras não são tão difíceis de se vencer como dizem (Ouro Preto é muito mais casca grossa) e à noite
nos shows no Marco Zero, numa programação adotada por 99% das pessoas. Destaco alguns pontos altos: o brilhante show de Beth Carvalho no domingo, a multidão de foliões nas ruas de Olinda na segunda-feira e seus milhares de blocos passeando de maneira incansável, o desfile de bonecões na terça-feira gorda e ela, a chuva.

Por que a chuva? Porque naquele lugar faz calor, meus amigos. Faz tanto calor que eu bebia, bebia, bebia e não ficava bêbado. De forma que a água que caía vez ou outra naqueles típicos temporais de verão era uma benção. E o que dizer da cerveja a preço de banana? Latões a módicos R$2,50! Dá para não amar essa porra?

- Balanço: falo por mim, mas minha Evinha deve sentir o mesmo. O Carnaval em Recife e Olinda é obrigatório, daquelas coisas que não devemos morrer sem fazer. Agradecendo seu povo e sua terra e reservando um espaço considerável a Pernambuco no coração, fui embora dali com a esperança de voltar em breve e em grande quantidade, só para cantar:

Voltei, Recife
Foi a saudade
Que me trouxe pelo braço
Quero ver novamente "Vassoura"
Na rua abafando
Tomar umas e outras
E cair no passo

Cadê "Toureiros"?
Cadê "Bola de Ouro"?
As "pás", os "lenhadores"
O "Bloco Batutas de São José"?
Quero sentir
A embriaguez do frevo
Que entra na cabeça
Depois toma o corpo
E acaba no pé

Um comentário:

Gabriel Coiso disse...

O trecho sobre te tratarem como extraterrestre lembrou-me uma amiga antropóloga, paulista, branca e de cabelos pretos, que em Manaus era abordada por crianças que lhe diziam: "one dollar, one dollar".
Ademais, apenas aumentou em mim o desejo por conhecer o Carnaval de Pernambuco.
Abraço.