25 agosto 2011

Legalidade: 50 anos


Em 25 de agosto de 1961, o ambíguo presidente Jânio Quadros anunciava à nação que estava deixando o cargo. Dizia ele em seu último bilhete que "forças terríveis" não o deixavam governar, numa quase paródia à carta-testamento deixada por Getúlio Vargas sete anos antes, quando o "pai dos pobres" meteu um balaço no próprio coração, freando o ímpeto militar pelo poder ao inviabilizar qualquer movimentação política que não tivesse amparo do povo. A semelhança das cartas, muitos dizem, não era mera coincidência. Jânio também apostava no populismo, mas obviamente sua renúncia não gerou muito engajamento. Aliás, quase zero. Os indícios apontavam para um só caminho: uma jogada (golpe é muito forte e veio 3 anos depois) para se fortalecer e centralizar de vez todo o poder em suas mãos. Mas chegando em São Paulo após a decisão, não tinha ninguém de pedindo sua volta.

Se a morte de Getúlio segurou os milicos em 1954, a jogada mal ensaiada de Jânio foi tudo que as fardas queriam para começar a mexer seus pauzinhos em direção ao recém-inaugurado Palácio do Planalto. Primeiro porque é preciso recordar o espírito anticomunista se disseminava na América Latina e dos inúmeros golpes de estado bancados pela pátria mãe do imperialismo. Nessa investida norte-americana, as escolas de oficiais todas estavam corrompidas e com a finalidade de produzir combatentes contra a onda vermelha que, por aqui, ganhava força com Fidel Castro e Che Guevara, além da sempre presente - e sempre jogada à clandestinidade - ação do Partido Comunista. Tendo isso em vista, era óbvia a intenção de tomada militar do poder ao dizermos aqui o nome do vice que deveria assumir: João Goulart.

Considerado muito esquerdista para o gosto da média opinião - Jango estava à frente do Ministério do Trabalho no governo eleito de Getúlio que deu 100% de aumento no salário mínimo -, o cargo de presidente estava à espera do homem que, no mesmo dia 25, se encontrava na China socialista em viagem oficial para estreitamento de laços comerciais e diplomáticos. Um terror para a família e os bons costumes! Imediatamente, as tais forças terríveis de Jânio trabalharam, usando principalmente sua base parlamentar e aliados da mídia para impedir o cumprimento da lei. Nesse cenário, destaca-se o golpista-mor da classe média, o jornalista Carlos Lacerda.

No Rio Grande do Sul, governava Leonel de Moura Brizola. E para entender o que foi Brizola, é preciso estudar seu mandato nos pampas. Cito aqui as principais realizações para não me alongar: ele investiu pesado na Educação, promoveu a reforma agrária e obras estruturais para a integração do Rio Grande e estatizou empresas estrangeiras, entre outros feitos. Por isso, era outra ameaça aos olhos dos milicos, obviamente contrariados com essa política de autonomia e de valorização do social. Pois foi esse bravo cidadão de liderança única quem liderou toda a nação na maior mobilização popular brasileira do século XX: o Movimento da Legalidade.

Não é exagero a afirmativa, uma vez que o país entrou num clima de verdadeira guerra civil. Depois de silenciar inúmeras emissoras de rádio e corromper jornais que se prestavam a esse papelão, os milicos não conseguiram chegar ao transmissor da Rádio Guaíba, a única fonte de informação daqueles que defendiam a Constituição. E a guerra citada unia, numa mesma trincheira, pessoas de diversas orientações políticas, além de toda a população em geral. Porto Alegre, contam aqueles que participaram ativamente da resistência, virou a meca de quem lutava por um Brasil melhor.

A força do movimento tornou-se imensurável em poucos dias e rachou inclusive o Exército. Oficiais de baixa patente foram grandes heróis nessa história toda. Há o lendário episódio dos sargentos e soldados da base aérea de Canoas que, ao saberem da ordem de bombardeamento do Palácio do Piratini (sede do governo gaúcho), esvaziaram os pneus de todos os aviões e evitaram uma tragédia de grandes proporções. Pelos quartéis do interior, todos estavam com Brizola e isso forçou o general Machado Lopes, comandante do III Exército, declarar seu apoio ao governador. As adesões vinham, ainda, de todo o país. A UNE transferiu sua sede para o sul, diversas lideranças políticas se deslocaram ao encontro de Brizola e a declaração do mandatário de Goiás Mauro Borges à Legalidade, cercando a capital federal, ferveu os ânimos. O povo brasileiro estava unido e disposto a marchar do Rio Grande do Sul até Brasília para empossar Jango.

Infelizmente, as articulações políticas apaziguadoras (sempre elas) vieram com um parlamentarismo de meia pataca, imposto e aceito por João Goulart, numa decisão que foi o ponto de partida para sua deposição naquele terrível ano de 1964. Mas a figura a se exaltar aqui é a de Leonel Brizola, na minha opinião o maior político do Brasil República. Sua sagacidade, sua integridade e sua coragem motivam até hoje os gaúchos, os únicos neste país que ainda têm noção da representatividade do Movimento da Legalidade. Os desavisados, por outro lado, acusam Brizola de uma conspiração pela cadeira de Jango, o que considero uma visão muito simplista e até ingênua. Vou além: tivéssemos Brizola presidente naqueles tempos, seríamos um país muito diferente.

Claro que uma figura como Brizola não passaria ilesa da ignorância que é o principal fruto do regime militar. Além de exilado, ele teve sua imagem destroçada pública e insistentemente, principalmente pela Rede Globo. Já no Rio de Janeiro, onde também fez dois belíssimos mandatos, é de conhecimento geral e irrestrito a participação da emissora na eleição de 1982, com a fraude na apuração para prejudicá-lo. Histórico também é o direito de resposta obtido por Brizola em pleno Jornal Nacional, lido pela múmia Cid Moreira. A descontrução do mito perdurou até sua morte, em 2004.

Tanto Brizola quanto o Movimento da Legalidade são frações da história brasileira muito mal-tratadas, apesar de explicarem quase todas as cagadas de hoje. Brizola era o contraponto, o pensar e agir diferente. Um líder nato, de carisma incrível e que impunha respeito pela sua retidão e inteligência. Para saber mais, é recomendável ler "1961: Que as Armas não Falem", de Paulo Markun e Duda Hamilton. Deixo vocês com um link para o Hino da Legalidade, de autoria de Paulo Cesar Pereio e Lara de Lemos, além do documentário "Tempos de Luta", que conta um pouco da história do gigante Leonel Brizola.

VIVA BRIZOLA! VIVA A LEGALIDADE!



4 comentários:

Filipe disse...

O BRASIL É NOSSO!

Samurai, ainda vamos fazer um churrasco com Seu Luiz pra falar da Legalidade.

BRUNA FC disse...

Genial! Cara, valeu por lembrar e escrever sobre um fato que ngm fala, vê se isso é ensinado nas escolas?

BRUNA FC disse...

O que não sai da minha cabeça: imagina se em 64 Jango seguisse a linha de pensamento de Brizola, imagine se em 89 Brizola ou Lula fosse eleito... com certeza a história de nosso país seria bem melhor.

João Medeiros disse...

Japonês,

Gostaria de ter capacidade de produzir um texto assim. Excelente. Um dia, isso vai ser ensinado nas escolas.

Abraços.